terça-feira, 31 de maio de 2011

O Jardim fecha às 18h30 - Jorge Listopad

            Um amigo meu, que vocês não conhecem, mas conheço eu, tem uma caixa, dentro da caixa, maior, dentro desta ainda outra caixa, maior, e Frederico, que é como se chama o meu amigo que vocês não conhecem, não pode continuar por mais tempo a abrir caixas porque cada caixa maior é tão grande que já não lhe pode mexer, ultrapassa-lhe os braços, é tão grande como todo o andar, tão grande como o prédio onde o Frederico mora no terceiro esquerdo, onde eu o visito de elevador ou pela escada, como calha.
Nem toda a gente tem uma caixa assim, que tenha dentro as caixas sempre maiores. Recebeu-a do tio José Eduardo, grande viajante pelo mundo, não vagabundo mas vagamundo, muitas aventuras, alguma caça, algum tesouro, muitas Africas, muitos Orient-Express.
Cada qual não tem o tio que merece mas o que há, o Frederico tem um, já se sabe. Eu tenho outro. O meu tio é sorridente, está de acordo com a mãe, com o pai; até comigo, pois não tem opinião própria, gosta francamente das opiniões dos outros porque gosta das pessoas e acha que ter opinião não é uma coisa muito importante.
- Tio, vamos a Monsanto!, digo eu.
- Vamos.
- Tio, mas o tempo não está bom.
- Então não vamos.
Um dia perguntei-lhe:
- Quantos anos tens, tio?
- Como quiseres – respondeu.
Gosto do meu tio. Talvez preferisse o tio do Frederico, mas ele anda sempre a viajar por fora. Gosto do meu tio porque às vezes me dá uma nota e diz: - Não digas a ninguém e compra uma coisa inútil; ou porque me põe a mão na cabeça e me acaricia timidamente os cabelos, ou porque, visto não ter opinião, ouve a minha que ninguém quer ouvir. Se me tivesse dado uma caixa, dentro dela haveria uma mais pequena, que esconderia outra mais pequena, e ainda outra mais pequena, até chegar a uma miniatura de caixa, e talvez nela houvesse uma surpresa. Não digo qual, porque então já não seria surpresa.

in   O Jardim Fecha às 18.30h
Jorge Listopad

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