segunda-feira, 26 de julho de 2021

Viagens na Minha Terra - Almeida Garrett



O tom perfeito da sociedade inglesa inventou uma palavra que não há nem pode haver noutras línguas enquanto a civilização as não apurar. To flirt é um verbo inocente que se conjuga ali entre os dois sexos, e não significa namorar — palavra grossa e absurda que eu detesto —, não significa «fazer a corte»; é mais do que estar amável, é menos do que galantear, não obriga a nada, não tem consequências, começa-se, acaba-se, interrompe-se, adia-se, continua-se ou descontinua-se à vontade e sem comprometimento.

Eu flartava, nós flartávamos, elas flartavam...

E não há mais doce nem mais suave entretenimento de espírito, do que o flartar com uma elegante e graciosa menina inglesa; com duas é prazer angélico, e com três é divino.

Para quem nasceu naquilo, não é perigoso; para mim degenerou, breve, aquela plácida sensação em mais profundo sentimento.

Veio a admiração primeiro.

E como as eu admirava todas três as minhas gentis fascinadoras!

E elas conheciam-no, riam, folgavam e estavam encantadas de me encantar.


Fizeram nascer os desejos! Julguei-me perdido, e quis fugir.

Não me deixaram e zombaram de mim, da ardência do meu sangue espanhol, da veemência das minhas sensações...

Em breve eu amava perdidamente uma delas — queria muito às outras duas; mas amar, amar deveras, de alma pensava eu, de coração ia jurá-lo, era a segunda — Laura, a mais gentil, mais nobre, mais elegante e radiosa figura de mulher que creio que Deus moldasse numa hora de verdadeiro amor de artista que se dignou tomar por esse pouco de greda que tinha nas mãos ao formá-la.

(…)


Mas não o quis a minha estrela. Embriagou-se de poesia a minha imaginação e perdeu-se: não me recobro mais. A mulher que me amar há de ser infeliz por força, a que me entregar o seu destino, há de vê-lo perdido. Não quero, não posso, não devo amar a ninguém mais.

(…)

Cheguei por fim ao nosso vale, todo o passado me esqueceu assim que te vi. Amei-te... não, não é verdade assim. Conheci, mal que te vi entre aquelas árvores, à luz das estrelas, conheci que era a ti só que eu tinha amado sempre, que para ti nascera, que o teu só devia ser, se eu ainda tivera coração que te dar, se a minha alma fosse capaz, fosse digna de juntar-se com essa alma de anjo que em ti habita.

Não é, Joana; bem o vês, bem o sentes, como eu o sinto e o vejo.

Eu sim tinha nascido para gozar as doçuras da paz e da felicidade doméstica; fui criado, estou certo, para a glória tranquila, para as delícias modestas de um bom pai de famílias.

(…)

Creio que me vou fazer homem político, falar muito na pátria com que me não importa, ralhar dos ministros que não sei quem são, palrar dos meus serviços que nunca fiz por vontade; e quem sabe?... talvez darei por fim em agiota, que é a única vida de emoções para quem já não pode ter outras.

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