sábado, 15 de agosto de 2020

Menos que Zero - Bret Easton Ellis

  Menos que Zero - Bret Easton Ellis


Aproveitando a pausa para férias da universidade, Clay regressa à sua Los Angeles natal, um mundo de privilégios sem limites e total rutura moral, na tentativa de redescobrir o que sentia pela sua namorada, Blair, e pelo seu melhor amigo, Julian. Os dias, porém, sucedem-se iguais, entre incontáveis festas em mansões exuberantes, bares duvidosos, discotecas, restaurantes de luxo e lojas, e Clay permanece no ponto onde começou: preso entre passado e futuro, esperança e vazio.

Na semana antes de partir, um dos gatos da minha irmã desapareceu. Era um gatinho castanho e a minha irmã diz que, na noite anterior, tinha ouvido gritos de animais seguidos de um uivo. Há bocados de pêlo eriçado e sangue seco junto da porta de entrada. Muitos gatos da vizinhança têm de ser guardados em casa, porque, se saírem de noite à rua, correm o risco de serem comidos pelos chacais. Algumas noites, quando há Lua cheia e o céu está límpido, olho lá para fora e vejo silhuetas movendo-se nas ruas e nas ravinas. A princípio, pensava que eram cães grandes e disformes; só mais tarde me apercebi de que eram chacais.

Às vezes, à noite, muito tarde, quando conduzo pela Mullholland, tenho de desviar o carro e travar a fundo e, ao brilho dos faróis, vejo os chacais a correrem sem pressa, no nevoeiro, trazendo trapos vermelhos na boca. Só quando chego a casa é que me apercebo de que o trapo vermelho é um gato. É uma coisa que as pessoas têm de enfrentar quando vivem nas colinas.

...

Quando estava em Los Angeles, ouvi uma canção interpretada por um grupo local. A canção chamava-se Los Angeles e as palavras e a sua interpretação eram tão duras e azedas que a canção ficará na minha cabeça durante dias. As imagens, como mais tarde percebi, eram subjetivas e nenhum dos meus conhecidos as interpretou da mesma maneira. Para mim, eram imagens de pessoas levadas à loucura por viverem na cidade. Imagens de pais que estavam tão famintos e vazios que devoravam os próprios filhos. Imagens de pessoas, de adolescentes como eu, que levantavam os olhos do asfalto e ficavam encadeados pelo sol.

Essas imagens ficaram comigo, mesmo depois de eu sair da cidade. Imagens tão violentas e rancorosas que me pareceram o único ponto de referência, durante muito tempo. Depois de eu partir.


Página final 

13 de agosto de 2020

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